quarta-feira, 14 de maio de 2008
Informação ou incentivo ao consumo?
Está a causar polémica o teor de alguns conteúdos do site do Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT) destinado a crianças e jovens a partir dos 11 anos; contém um "Dicionário de Calão" que as associações de pais temem poder incentivar o consumo. A questão divide especialistas em Psicologia: há quem alerte para o perigo de a página electrónica poder fomentar um estilo de vida pouco saudável e quem considere a questão "hipócrita". No dicionário do site infanto-juvenil www.tu-alinhas.pt pode aprender-se que "betinho", “cocó” ou “careta” é “aquele que não consome droga e, por isso, é considerado conservador, desprezível e desinteressante”. Existem ainda definições que os encarregados de educação consideram ser “quase um manual de instruções”. Diz o dicionário que "Queimar" é "aquecer com o isqueiro a heroína ou cocaína, até fazer a bolha brilhante, cativante e vaporosa cujo fumo será inalado com a ajuda de uma nota enrolada em tubo”. A Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação (CNIPE) considera “muito preocupante” que seja transmitida uma “imagem convidativa das drogas” nomeadamente através da utilização de adjectivos como “brilhante” ou “cativante”. Nesse sentido, vai esta semana pedir ao IDT a reformulação imediata do site. “É fundamental que os jovens sejam informados, mas a forma como a informação está disponibilizada aumenta seguramente a curiosidade dos miúdos em relação às drogas. Pode fazer com que eles não queiram ser os betinhos que não consomem”, afirma a responsável da CNIPE, que representa cerca de 600 associações de pais.Também a Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP) entende que a consulta deste dicionário por parte dos jovens “pode induzir a curiosidade por algumas experiências, em vez de ser preventora de comportamentos desviantes”, se for feita sem a intermediação de um adulto.“Pode haver a tentação do 'faça você mesmo'”, alertou Albino Almeida, presidente da CONFAP, referindo-se a conceitos como “Base”: “Cocaína pronta para fumar. Mistura de cocaína com bicarbonato de sódio ou amoníaco e água. É aquecida e posteriormente arrefecida. Por filtragem, obtêm-se cristais, pedrinha branca pronta para snifar na caneca ou na prata com uma nota enrolada”. Confrontada com estas preocupações, a coordenadora do Núcleo de Atendimento e Informação do IDT, responsável pelo projecto, explicou que o dicionário de calão "é uma área de apoio a todo o site, que não pode ser visto de forma isolada e que não contém informação descontextualizada". Em resposta, Patrícia Pissarra, a responsável pela página criada há um ano, justificou que o “Tu Alinhas?” tem de utilizar linguagem própria dos “miúdos”, sem esconder qualquer informação de forma a captar a atenção dos jovens: “Perdíamos credibilidade se as respostas não fossem claras e sem tabus”. Só este ano, desde Janeiro, salientou, a página já recebeu 20.500 visitas, o que corresponde a um aumento de 70 por cento relativamente a 2007. As opiniões dos psicólogos divergem. De acordo com Patrícia Pissarra, a criação deste sítio na Internet surgiu para dar resposta às muitas dúvidas que os jovens colocavam através da linha SOS Droga, colmatando uma lacuna sentida pelo IDT na abordagem aos mais novos. A divulgação de informação clara sobre droga é aplaudida por todos, mas o consenso acaba quando se analisam alguns dos conteúdos do dicionário. Confrontados com as preocupações dos encarregados de educação, três especialistas da área da Psicologia não são unânimes. Ressalvando que, no geral, o site “procura responder a todas as questões, mostrando-se transparente e sem tabus”, a psicopedagoga Joana Sarmento Moreira considera que “algumas definições podem ser criticadas, não só pela linguagem como pelo conteúdo", podendo "incentivar o consumo e fomentar um estilo de vida pouco saudável”. “Não vejo necessidade em muitas destas definições aparecerem num site pertencente a uma instituição como o IDT. Informar os jovens sim, mas com bom-senso”, frisou. Também a psicóloga clínica Isabel Consciência admite que o dicionário possa ser“perigoso para uma faixa vulnerável de jovens, que narcisicamente não se sentem bem consigo próprios e que têm toda uma história para trás”. Nestes casos, alerta, “pode ser a gota de água de um copo já cheio”.“Se queremos dizer aos jovens que o mundo não é só droga, então temos de alargar os horizontes. Não podemos fechar toda a área semântica ao universo das drogas”, criticou, referindo-se a definições como “Algodão”, que no dicionário é apenas um “filtro na preparação da dose injectável de droga, que pode ser usado para fazer uma lavagem e recuperar resíduos para uma nova dose”. Outros psicólogos, desdramatizam, considerando que as preocupações dos pais não têm fundamento. Perante a polémica, a coordenadora do IDT está consciente que “não se pode agradar a Gregos e Troianos” quando está em causa um projecto dirigido a uma faixa etária muito alargada, que vai dos 11 e os 20 anos. “Fazer o 'Tu Alinhas' é muito complicado. Já foram e continuam a ser feitos muitos ajustes”, reconheceu Patrícia Pissarra, sublinhando que antes de ser posto on-line, o site passou por crivos, do Ministério da Educação e do Ministério da Saúde. Além de certificado pelo Governo, o projecto foi concebido com base em pesquisas a páginas internacionais e em "focus-groups" realizados em escolas públicas e privadas.
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