sexta-feira, 23 de maio de 2008

Profissão: Professor?!

Quase 44 por cento dos professores não escolheriam a sua profissão hoje em dia, revela um estudo realizado pelo Instituto Politécnico de Castelo Branco (IPCB) apresentado ontem no Porto."O facto de os professores estarem insatisfeitos com a sua condição tem um grave reflexo na aprendizagem dos alunos", disse João Ruivo, responsável pelo estudo realizado pelo Centro de Estudos e de Desenvolvimento Regional (CEDER), à margem do V Encontro Luso-Espanhol sobre a profissão docente. O estudo baseado numa amostra de educadores de infância e professores do ensino básico e do secundário e que João Ruivo considerou "marcante por não existir nenhum sobre a matéria, com rigor científico, desde 1990", revela ainda que 61 por cento não sente que o seu trabalho seja reconhecido pela sociedade. Mais de 90 por cento revelam uma grande preocupação para com o seu futuro profissional e não estão satisfeitos com o pouco apoio pedagógico que o Ministério da Educação lhes dá. Dos resultados obtidos foi também possível concluir que "a maioria não está satisfeita com o interesse revelado pelos alunos nas questões de aprendizagem escolar, e também apresenta insatisfação quanto às políticas educativas do Ministério da Educação, assim como com o trabalho desenvolvido pelos sindicatos". Os concursos profissionais são também alvo de críticas, revelando os professores inquiridos, que estes causam instabilidade profissional.
Ordem dos professores e Código Deontológico? Há já muitos anos que se tem vindo a falar da possível criação de um Código Deontológico da Profissão Docente, sem, no entanto, se ter conseguido unir e dinamizar os professores nesse sentido. Agora, a Associação Nacional de Professores retomou a ideia de criar um código ético e deontológico da profissão docente. Qual a posição dos Professores? Segundo os estudos que têm sido feitos -recordo especialmente os de Pedro D' Orey da Cunha - a maioria vê com bons olhos a elaboração de um Código Docente, assim como a constituição de uma Ordem dos Professores. No entanto, surgem também muitas dúvidas e questões. E o recente Estatuto da Carreira Docente, de Janeiro de 2007, que desenvolveu amplamente os deveres do docente, poderia levar a pensar que seria desnecessário. O problema voltou recentemente a colocar-se, segundo noticiou o Educare.pt há alguns dias; segundo afirma a notícia, o presidente da Associação Nacional de Professores, João Grancho, pretende propor a elaboração de um Código Ético e Deontológico que auto-regule a profissão dos docentes. A sua elaboração poderia ser o ponto de partida para a constituição da Ordem dos Professores. Na sua opinião, é necessário definir que ética se aborda no Decreto-Lei n.º 240/2001, de 30 de Agosto, e em que avaliação deve assentar. "O código ético e deontológico teria a vantagem de se situar muito para além e muito acima das percepções ideológicas de cada momento", afirma. Poderia "fixar os contornos" da actividade da classe docente e não se restringir às normas que definem os direitos e deveres dos professores. "Se esse quadro de referência existisse, muitos dos problemas que hoje se colocam em relação à avaliação dos professores nem sequer estariam a ser discutidos", refere o responsável. Este código nasceria naturalmente "da vontade directa dos professores". Num estudo de âmbito nacional, elaborado pelo Centro de Estudos e Desenvolvimento Regional do Instituto Politécnico de Castelo Branco, em 2006, constatava-se que cerca de 80% dos professores inquiridos consideravam, nessa data, importante a existência de uma Ordem. Adalberto Dias de Carvalho, professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, contextualiza o assunto e explica as reticências. "Na verdade, o conceito de Ordem estava tradicionalmente ligado a profissões socialmente prestigiadas como os médicos e advogados, parecendo que, de alguma maneira, apenas esses tinham direito àquilo que acabava por constituir uma distinção", lembra. "Em relação aos professores, o seu prestígio foi historicamente construído principalmente através de ideais de entrega, de sacerdócio até. Ao mesmo tempo, a designação de professor era restringida, ficando assim marcada uma divisão e hierarquização internas, aos grupos de elite (os professores universitários doutorados) e, no outro pólo, aos então professores primários. Curiosamente os professores do Ensino Secundário eram tratados por doutores". O docente retrocede no tempo com um objectivo. "Para acentuar que a ‘classe' docente, se assim se pode chamar, está matricialmente marcada por compartimentações que sempre impediram a sua unidade." "Ora, uma Ordem passa precisamente pela afirmação da unidade de objectivos e de estatuto de um determinado grupo profissional academicamente qualificado. Acontece que só em data relativamente recente é que todos os professores foram obrigados a serem licenciados para o exercício da profissão. Repare-se que ainda há, sintomaticamente, um sindicato de professores licenciados, ou seja, de professores que se distinguem dos outros que o não são". Na sua opinião, uma Ordem significa "coesão profissional", mas no caso dos professores "pode reforçar ainda a separação designadamente dos professores licenciados daqueles que ainda o não são". "Por outro lado, para haver uma Ordem deve existir um código deontológico que defina, assegure e afirme perante os próprios, e perante a sociedade em geral, o exercício profissional no quadro de referências de responsabilidade e de dignidade", afirma. Ordem sim, mas com algumas reticências. "É que, nos nossos dias, nas nossas sociedades laicizadas, já não bastam os referenciais transcendentes das morais religiosas (ou republicanas) que tradicionalmente legitimavam o exercício da actividade docente." "Todavia, dentro da problemática de escrita, como compreender depois a existência de grupos de professores subordinados a um determinado quadro deontológico que, não cabendo dentro da Ordem, não caberiam também nesse mesmo quadro deontológico?", questiona. Por sua vez, Paula Canha, professora de Biologia e Geologia da Secundária Dr. Manuel Candeias Gonçalves, em Odemira, distinguida com o Prémio Inovação no ano passado, vê com bons olhos a existência de uma Ordem dos Professores. A docente pertence à Ordem dos Biólogos e essa experiência diz-lhe que há benefícios nessa coesão. "Eu vejo todas as vantagens em os biólogos se terem organizado desta forma. A Ordem promove iniciativas óptimas", afirma. Paula Canha não destaca apenas o poder reivindicativo, que ganha força, como também as actividades, as acções de formação que fazem pensar sobre a profissão numa perspectiva de médio e longo prazo. "Acho que o mesmo pode acontecer numa Ordem dos Professores", conclui. O professor Paulo Guinote, autor do blogue "A educação do meu umbigo", concorda, mas duvida que se possa concretizar tendo em atenção o panorama. "A ideia de uma Ordem dos Professores existe, de forma vaga, há bastante tempo. Seria um projecto interessante se fosse viável, ou seja, se o Estado aceitasse que os professores, maioritariamente seus funcionários, pudessem auto-regular o exercício da própria profissão. O que me parece difícil, em especial na actual conjuntura", refere. "A vantagem evidente de uma estrutura deste tipo seria uma maior independência da classe docente em relação ao poder político. Ora, neste momento, isso não parece ser algo que agrade a esse mesmo poder", acrescenta. Na opinião deste docente, a elaboração desse código deontológico deveria, portanto, ser feita fora da alçada e controlo estatais. "É uma ideia interessante, de que a ANP já se deveria ter lembrado antes e que parece recuperar agora num momento em que a organização parece ter sido ultrapassada pelos acontecimentos." "Para se distinguir dos sindicatos e movimentos de professores, tal como com a ideia da 'mediação', surge agora com esta proposta. Seria bom que, para além da enunciação, partisse mesmo para a concretização, pois é algo que tem efectivamente interesse para o desenvolvimento e consolidação de uma identidade docente", sublinha.

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