Habitualmente, consideram-se no trabalho três finalidades ou sentidos essenciais. Um primeiro fim do trabalho é ser meio de subsistência. Outra finalidade do trabalho, é transformar o meio ambiente, melhorando as condições de vida (no entanto, o trabalho pode também danificar o mundo, em vez de o melhorar. Daí a necessidade ética de respeitar a Natureza). Por último, a pessoa, ao trabalhar, adquire novos hábitos, faz descobertas, melhora as suas capacidades, adquire experiência, conhecimentos, aptidões: aperfeiçoa-se a si própria.
Ao realizar o trabalho empenhando nele todas as suas faculdades a pessoa aperfeiçoa-se e realiza-se; ama a sua obra, que se torna como um prolongamento do seu próprio ser: pode chegar à paixão por criar, ao amor no trabalho. E deixa de amar o trabalho quando este é só fadiga física, esforço, mercadoria entregue a troco de um salário, quando não consegue pôr nele nada de si, do seu saber fazer, da sua inteligência criadora, de modo que aquilo que produz seja algo verdadeiramente seu, que lhe permite alcançar a plenitude.
Por isso trabalhar é um direito, porque é o canal do desenvolvimento e da criatividade humana. O homem necessita algo mais do que subsistir: necessita aperfeiçoar-se, aperfeiçoar o mundo e a sociedade, trabalhando.
Entender que o trabalho é caminho de realização humana foi uma descoberta tardia. Na antiguidade e até à época moderna considerava-se que a realização e o aperfeiçoamento humano se realizavam precisamente fora do trabalho, no ócio, através de actividades culturais, morais, religiosas, etc. Progressivamente foi-se afirmando o valor do trabalho como aspecto central na realização da pessoa.
Mediante o trabalho a pessoa converte-se num profissional, competente e preparado para realizar tarefas e obras que requerem conhecimentos científicos e técnicos, que qualquer outra pessoa não poderia fazer e que são necessárias à sociedade. O trabalho é o que distingue a pessoa e lhe confere o seu lugar na vida social: já não é o nascimento, ou a classe social, ou a raça, como aconteceu em épocas passadas. Nunca antes na história o trabalho teve um papel tão decisivo na vida humana (Yepes 1996).
O trabalho passou a ser um dos principais modos de realizar os próprios ideais e valores, uma parte decisiva do próprio projecto vital. Simultaneamente, a nossa época exige a todo o trabalhador um verdadeiro profissionalismo: seriedade, nível técnico e eficácia no desempenho.
O profissionalismo tem muito a ver com a ética: a ética exige, em primeiro lugar realizar bem o próprio trabalho. A perfeição intelectual e técnica que se adquire ao realizar um trabalho, faz da pessoa um bom profissional. Mas há também uma perfeição moral que se adquire – ou não – ao trabalhar. A perfeição moral é a que torna boa a pessoa enquanto pessoa. Pode-se ser bom profissionalmente sem ser bom enquanto pessoa, mas não o contrário: ser moralmente bom implica procurar ser bom profissionalmente. Tendo em conta este duplo aperfeiçoamento adquire pleno sentido a expressão "o homem realiza-se no trabalho", em que realizar-se significa a aquisição de hábitos positivos intelectuais e morais.
sexta-feira, 19 de setembro de 2008
Trabalho e Cultura: a transmissão da cultura ou a arte de Educar
O trabalho é chave essencial da vida social e cultural. Ao trabalhar uma matéria, conferindo-lhe uma forma nova, o trabalho é criador, produz cultura. Nesta perspectiva, materializar o espírito e espiritualizar a matéria é algo específico do homem, que pode ser chamado CULTURA (Yepes 1996) A matéria recebe uma forma que a espiritualiza e a eleva para além de si, revestindo-a de novos significados e valores.
Originariamente o termo cultura aponta para a acção de cultivar mediante a qual o homem se ocupa de si mesmo, não ficando num puro estado natural. O homem culto é aquele que se "cultiva". Cultura é, numa primeira aproximação, cultivo da inteligência, educação. O termo cultivar denota atenção, cuidado, acompanhamento. Segundo afirma Yepes a primeira dimensão de cultura é a “interiorização e enriquecimento de cada sujeito”, mediante a aprendizagem. É o que designa o termo alemão “Bildung”, formação do homem.
Cultura significa aprender e possuir o aprendido, ter sido educado, ter conhecimento, riqueza interior, mundo íntimo. Quanto mais rico é esse mundo, mais culto se é e mais coisas se tem para dizer. Segundo a perspectiva deste autor, a origem da cultura é o núcleo criativo, discursivo e afectivo da pessoa, a sua intimidade profunda, em que se guardam mediante a memória, conhecimentos apreendidos e factos vividos, uma sabedoria teórica e prática, que cresce para dentro, porque se cultiva e aprende, para, mais tarde, sair para fora.
Frente à primazia da exterioridade, o espírito humano caracteriza-se por saber habitar dentro de si e criar um mundo interior que não é sonhado, mas sim vivido. Apenas nele se encontra a verdadeira felicidade e plenitude. É o lugar de encontro com a própria intimidade, santuário interior, poço profundo onde habitam os sentimentos mais poderosos, realidade criadora de que brotam ideias, projectos, imagens, mundos novos que acabarão por sair para o exterior. A pessoa humana ama a paz e o silêncio porque lhe permitem sonhar, imaginar, escutar a sua voz íntima, sentir o que tem dentro: saber ouvi-la é ter cultura. “A descoberta da interioridade e o seu cultivo são requisitos para uma verdadeira cultura” (Yepes 1996).
Ter o espírito cultivado é saber ler as obras humanas e descobrir nelas uma riqueza desconhecida para o ignorante. O olhar de quem percebe muito de pintura ou história da arte “lê” mais e melhor um quadro de Rembrandt ou uma catedral gótica. A cultura está depositada em obras exteriores e o homem ao apreendê-la fá-la sua e compreende-a. Saber dizer bonitos discursos é expressão e reflexo de um espírito cultivado e de algo previamente apreendido. A cultura como interioridade é, pois, precedida pela aprendizagem, que é a incorporação da sabedoria depositada nas obras humanas. Sem elas não há cultura.
Em certo sentido, cultura é toda a manifestação humana (Yepes 1996). A capacidade de manifestar é uma característica da pessoa e expressão exterior da sua interioridade. As acções mediante as quais a pessoa se expressa e se manifesta - acções expressivas - são também cultura. Por exemplo, saber falar, dar as boas vindas a quem chega, um aperto de mão, não fechar a porta na cara a uma pessoa, é também cultura, educação. A má educação é incultura, barbaridade, força bruta.
O que define o homem como ser cultural é a capacidade de revestir o material de um significado ou intenção que procedem do mundo interior e que remetem ou ordenam a obra humana a algo distinto dela. Quando a matéria é enriquecida ou transformada pela pessoa, quando surge uma obra exterior que parece falar por si mesma, temos uma outra dimensão da cultura: as obras humanas - um livro, uma escultura, etc. - são expressões culturais. A capacidade humana de criar cultura plasma-se num conjunto de objectos modificados pelo homem com um significado que lhes confere uma função expressiva da interioridade humana. Esta função de expressar é comunicação: expressa-se algo para comunicar, que é um elemento básico da vida social.
O conjunto dos objectos culturais ou obras humanas feitas com uma função simbólica é a cultura em sentido objectivo: o cultural remete para além de si próprio. O símbolo é um objecto que nos envia a outro. O carácter simbólico ou significativo das obras humanas é convencional, livre e modificável. A cultura é tão variada como a liberdade: cada povo, cada pessoa realiza as suas obras imprimindo nelas o selo do seu estilo, da sua personalidade, do seu tempo. A cultura é livre, e portanto, convencional, variável, histórica. Podem distinguir-se na cultura humana várias dimensões: "expressiva, comunicativa, produtiva, simbólica, histórica" (Yepes 1996). A expressão do espírito humano é cultura em estado vivo, plasmando-se, plena de um carácter criador, original. Todas as obras culturais levam dentro de si uma verdade que podemos chegar a compreender, com tempo e esforço, embora só parcialmente; parece predominar nelas uma beleza que se comunica, que nasce da verdade que expressam. Podem ser cultura, em sentido amplo, os gestos, a conduta, a linguagem falada, os costumes ou gestos repetidos tantas vezes que facilmente se convertem em rituais e nos quais se alicerça a vida humana.
Continuando a nossa reflexão sobre a cultura e o trabalho, vamos considerar agora a profissão do Educador, ou o que Yepes designa como a Transmissão da Cultura ou a Arte de Educar (Yepes 1996). Segundo recorda este autor, o processo de socialização primária, da formação da personalidade humana, dá-se sobretudo e em primeiro lugar na família, instituição educativa por excelência. Aprender a ser pessoa consiste em aprender a dirigir-se a si mesmo e a conseguir a harmonia. Conduzir a própria vida é aprender a arte de viver. Educar é transmitir e ensinar, não somente conhecimentos teóricos, mas sobretudo modelos e valores que guiem o conhecimento prático e a acção; significa ajudar a adquirir convicções e ideais, ajudar a fazer um uso inteligente e responsável da própria liberdade. Educar é possibilitar o alcançar a excelência. Outra das funções da educação é comunicar a verdade, cultivar a paixão pela verdade. A verdade científica, por sua vez, está aliada à técnica, e o ensino de ambas possibilita adquirir uma profissão. Por sua vez, exercer uma profissão é uma das maneiras de se incorporar às instituições e às comunidades; e nelas se aprendem as tradições do passado, de modo a melhorar o futuro. Parte do ensinamento acerca do passado é a transmissão da cultura. Não há verdadeira educação sem transmissão de cultura, sem aprendizagem de gestos, palavras, acções simbólicas, costumes, obras de arte, livros, etc., de quem nos precedeu. A cultura, em todas as suas manifestações, é o depósito onde se encontra o sentido das próprias experiências, aspirações e capacidades. Educar é ajudar a cultivar o mundo interior mediante a assimilação da cultura, que humaniza o espírito. E a assimilação da cultura não se pode fazer individualmente: exige mestres. A educação, enquanto comunicação da excelência e transmissão da verdade, exige uma certa autoridade da parte de quem ensina. E formar-se como educador exige a aprender a ajudar. Educar é uma arte, na medida em que é um saber prático, não teórico: consiste em ensinar alguém a viver. Entrar dentro da intimidade de outro não se pode levar a cabo sem diálogo. A relação entre docente e discente – a educação - tende a ser uma dimensão pessoal e dialogada. Por isso, as pessoas dedicadas a esta árdua e desprestigiada profissão realizam grandes esforços para converter a técnica profissional em tarefa e ideal. Há uma unidade que entre a transmissão de conhecimentos e a dimensão prática e pessoal da educação. A educação não é só transmitir técnica, mas cultura e valores.
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