terça-feira, 2 de março de 2010
Superar a dicotomia entre a esfera económica e a social
Segundo o serviço de notícias Aceprensa uma mensagem importante que a "Caritas in Veritate" - do Papa Bento XVI- nos transmite é o convite a superar a dicotomia já obsoleta entre a esfera económica e a esfera social, comenta o cardeal Bertone. A modernidade deixou-nos em herança a ideia segundo a qual para poder operar no campo da economia é indispensável procurar o lucro e mover-se sobretudo pelo próprio interesse; isto equivale a dizer que não se é plenamente empresário si não se perseguir a maximização do lucro. Caso contrário, haveria que contentar-se fazendo parte da esfera social.
Esta conceptualização, que confunde economia de mercado, que é o género, com uma das suas espécies, como é o sistema capitalista, levou a identificar a economia com o lugar da produção da riqueza (ou do rédito) e o social com o lugar da solidariedade para uma distribuição equitativa da mesma.
Outros modos de fazer empresa
A Caritas in Veritate diz-nos, pelo contrário, que se pode fazer empresa também na prossecução de fins de utilidade social e actuando por motivações deste tipo. Esta é uma maneira concreta, embora não única, de colmatar a brecha entre económico e social, dado que uma gestão económica que não incorporasse a dimensão social não seria eticamente aceitável, como também é verdade que uma gestão social meramente redistributiva, que não tenha em conta o vínculo dos recursos, a longo prazo não seria sustentável, pois antes de poder distribuir é necessário produzir.
É de agradecer a Bento XVI de modo especial por ter sublinhado que a gestão económica não é algo de separado e alheio aos princípios fundamentais da doutrina social da Igreja, que são: centralidade da pessoa humana, solidariedade, subsidiariedade e bem comum. É preciso superar a concepção prática segundo a qual os valores da doutrina social da Igreja unicamente deveriam encontrar espaço nas obras de índole social, enquanto que aos especialistas em eficiência corresponderia a tarefa de guiar a economia. Esta encíclica tem o mérito, por certo nada secundário, de contribuir para colmatar essa lacuna, cultural e política ao mesmo tempo.
Ora bem, a Caritas in Veritate proporciona-nos o benefício, bem grande, de tomar em consideração aquela concepção de mercado, típica da tradição de pensamento da economia civil, segundo a qual se pode viver a experiência da sociabilidade humana dentro de uma vida económica normal e não fora dela ou à margem dela. Esta é uma concepção que se poderia designar alternativa, quer em relação à que vê o mercado como lugar da exploração e do atropelo do forte sobre o fraco, quer em relação à que, na linha do pensamento liberal anárquico, o vê como lugar capaz de dar solução a todos os problemas da sociedade.
Este modo de fazer empresa diferencia-se da economia de tradição smithiana, segundo a qual o mercado é a única instituição realmente necessária para a democracia e para a liberdade. A doutrina social da Igreja recorda-nos, pelo contrário, que uma boa sociedade é fruto do mercado e da liberdade, mas que existem exigências, atribuíveis ao princípio de fraternidade, que não se podem iludir nem remeter unicamente para o âmbito privado ou para a filantropia. Propõe antes um humanismo de mais dimensões, em que não se combate ou "controla" o mercado, mas que se contempla como momento importante da esfera pública -esfera que é muito mais ampla que o meramente estatal- que, se for concebida e vivida como lugar aberto também aos princípios de reciprocidade e de dom, pode construir una sadia convivência civil.
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