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domingo, 23 de março de 2008
Cultura mediática, liberdade, personalidade e manipulação
O pensador Julián Marías, numa conferência proferida em 1991, referia-se às relações entre os meios de comunicação, a liberdade e a personalidade. Recolho aqui algumas das suas ideias, que me parecem muito actuais. Referia-se ao problema da moralidade colectiva: dizia que a moral é um assunto essencialmente individual, de cada pessoa. No entanto, a pessoa vive em sociedade, a sua vida articula-se com a vida colectiva, e, por isso, a vida moral está condicionada naturalmente pela situação social em que se vive. Os exemplos, as pressões, os modelos mediáticos têm grande influência nas pessoas. No entanto, o factor decisivo é a liberdade. A pessoa é responsável, faz a sua vida, escolhe a sua vida, realiza-a na medida em que as circunstâncias o permitem; mas o projecto é próprio, é pessoal, cada qual imagina a sua vida, projecta-a, tenta realizá-la, melhor ou pior. As circunstâncias sociais influem, mas a liberdade é sempre fundamental e decisiva; o que faz que cada um seja responsável, pelo que escolhe, pelo que prefere, pelo que decide, dentro das possibilidades. Há muitas interpretações da realidade que têm um carácter ético, e que muitas vezes se apresentam como normais, unicamente por serem frequentes. Essa identificação é muito perigosa: considerar o que é frequente como normal, o que é normal como lícito, e o que é lícito legalmente como se fosse moral é inaceitável. Pode haver coisas frequentes que não são normais, pode haver coisas normais, que nem por isso são lícitas, e pode haver coisas lícitas legalmente, mas que não o são moralmente; é preciso analisar cada caso concreto. A palavra "moral" deriva do substantivo latino “mos, moris”, que significa costume. Ou seja, os costumes têm um carácter moral, e a moral é afectada pelos costumes. Fala-se de “bons costumes” ou “costumes maus”, diante dos quais o homem é livre. Em última análise, podem aceitar-se as vigências sociais ou resistir a elas; no entanto, devem ser tidas em conta, porque têm força, e pressionam. Sempre se podem recusar ou aceitar, mas por vezes não é fácil; de facto a vida colectiva fica afectada por esse sistema de pressões. Comprova-se, muitas vezes, que o que aparece, o que se apresenta como modelo ou como exemplo nos meios de comunicação, é quase sempre minoritário; por exemplo na televisão: certas pessoas ou grupos falam, emitem as suas opiniões, a sua forma de ver as coisas. Essas pessoas são, por vezes, muito poucas. No entanto, é o que se vê, o que consta, o ponto de referência. Não se compreende a nossa época sem ter em conta essa pressão colectiva, minoritária, mas com efeitos em todos os níveis sociais. A sua influência é enorme, inquietante, tem o efeito de uma inundação. O que se vê nos meios de comunicação tem efeitos amplíssimos, muito difundidos e, de certa forma, manipulam. Há algumas pessoas que têm as suas convicções pessoais, que não se deixam manipular, que exercem a sua liberdade. E há outras muitas que, num estado de passividade, aceitam o que se divulga como se fosse a própria realidade, permitem que a sua vida seja orientada, configurada por esses influxos minoritários; as pessoas que controlam os meios de comunicação são muito poucas, mas exercem uma influência enorme. A nossa época caracteriza-se por uma grande desorientação: há um grande número de pessoas que não sabem a que ater-se, não sabem bem o que pensar, aceitam o que se divulga sem muito entusiasmo, com certa apatia ou debilmente, mas aceitam-no. Acredita-se que tudo é aceitável, e daí deriva uma sensação geral de incerteza. Actualmente as pessoas acreditam que não se pode julgar acerca de nada, e chamam a isso liberdade. Liberdade é o que eu posso querer, pessoalmente. O problema está em que muitas pessoas não actuam livremente, não agem do fundo de si mesmas, não decidem, não escolhem o que livremente querem, o que realmente consideram correcto, deixam-se levar. E isto leva à desmoralização. Em última análise, a recuperação da ética depende do exercício da liberdade, da afirmação da liberdade. O factor decisivo, um pouco paradoxalmente, é colocar o ponto de apoio na vida individual, evitando que uns poucos aproveitem as possibilidades técnicas do mundo actual para manipular. A liberdade deve ser exercida por todos, e não apenas por alguns em nome dos outros, porque isso é manipulação... Dessa forma, ao falar em moralidade colectiva volta ao ponto de partida, ao lugar em que propriamente reside a moralidade: na vida pessoal, na vida de cada um de nós. O remédio para os perigos que nos ameaçam não deve ser procurado primariamente nas técnicas ou nos recursos da vida colectiva, mas apelando para a moral individual, em suma, para a personalidade. Muitos demitem-se da sua personalidade, deixam-se arrastar. A questão reside em que ninguém abdique da sua personalidade, que ninguém se deixe manipular, concluía.
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